Revi por esses dias o que talvez seja o mais conhecido filme de Ingmar Bergaman, O Sétimo Selo. Se não é o mais conhecido, ao menos é sem dúvida o que contém a cena que mais se gravou no imaginário popular sobre o cinema de Bergman: a cena do cavaleiro jogando xadrez com a morte em pessoa. Deliciado pelo reencontro com esta obra-prima do diretor Sueco, fui rever o que havia escrito sobre o filme na primeira vez que o vi. Peço licença para reaproveitar o texto neste espaço, pois é exatamente o que eu escreveria hoje:
Em O Sétimo Selo, Bergman concentra seu foco existencialista na questão da fé. Através da jornada de retorno para casa, seu protagonista se vê frente a frente com a morte de duas formas: pela devastação de sua terra natal e pela vinda da própria, em pessoa, no seu encalço. Diante desse retorno para casa, difícil e cheio de obstáculos, impossível não pensar no mito de Ulisses e de Ítaca. Como o herói do clássico ocidental de Homero, o herói de Bergman também obstina rever a esposa e retomar seu lar, mas as semelhanças param por aí.
Na história, Antonius Block (Max Von Sydow) é um cavaleiro que retorna após 10 anos, depois de lutar nas cruzadas (onde foi lutar por Deus e pela fé cristã). Logo ao chegar é abordado pela Morte, que veio lhe dizer que seu tempo acabara e que viera buscá-lo. Ardiloso, convida a Morte para uma partida de xadrez, mesmo sabendo que ela nunca perde. Assim, consegue ganhar algum tempo e adiar sua ida para o outro lado. É enquanto a partida se desenrola - com intervalos indefinidos, pois a Morte andava ocupada naqueles tempos - que Block segue seu caminho rumo ao lar. E é nessa caminhada, entre um lance e outro de xadrez, que ele constata a devastação pela qual passa sua terra, afligida pela Peste Negra.
Surgem então as questões primordiais que darão a profundidade do personagem, pois é em sua fé que ele passa a questionar a existência de Deus. Assim, mais do que voltar para casa, Block procura por respostas às suas indagações. Ele quer saber “onde” está Deus, e até mesmo onde está o diabo, pois “o diabo deve conhecer Deus como ninguém". Em busca dessas respostas o herói bergmaniano de O Sétimo Selo enfrenta-se com todas as coisas e a tudo questiona, sempre sob a ótica da fé.
O filme é rico em figuras e símbolos, muitas vezes irônicos, outras vezes sutis. Com a Peste Negra se espalhando rapidamente e dizimando a população, surgem figuras bizarras, como os que se auto-flagelam em busca da redenção de seus pecados, além daqueles que, tão usualmente na época, queimam mulheres suspeitas de bruxaria. Mas a certeza coletiva é de que se aproxima o dia do Juízo Final, que o sétimo selo em breve será aberto e os anjos receberão suas trombetas. É esse clima de fim do mundo umas das coisas que mais impressionam no filme, pois é onde o mitológico se torna quase palpável e transcende da tela para o espectador.
Também as figuras de Antonuis Block e seu escudeiro, Jöns (Gunnar Björnstrand), trazem uma dualidade irônica e profunda, quase simbiótica em alguns momentos. Enquanto Block vive no espírito a intangível e incurável angustia de sua fé - que se afirma mais nítida no seu questionamento de Deus: "A fé é uma aflição dolorosa. É como amar alguém que está sempre no escuro e nunca vem quando chamamos." -, Jöns é um cético e incrédulo que crê apenas no vazio e por isso mesmo não sofre e com nada se aflige.
E é assim que seguem, junto a outros personagens de diversas matizes, todos tementes ao juízo final e à Morte, cada um com seu semblante revelando a maneira como encaram ou não a compreensão (ou não) dos desígnios de Deus.
Contudo, é no final que a inexorabilidade do destino e do tempo se revela inquebrantável e imutável. Em uma seqüência antológica, todos se vêem diante de seu destino comum e o encaram, cada um com suas próprias palavras e gestos. É quando presumimos que todas as repostas que Block buscava estavam justamente na figura da qual tentava se desvencilhar o máximo possível. Porém, é a própria Morte quem diz diante do relutante Antonius na sua hora final: "eu não sei nada".
Sem responder com clareza se o que vem depois é mesmo o vazio, como crê Jöns, Bergman nos dá, ao final de seu filme, a deixa de que talvez o mais importante não seja onde está a morte, mas sim onde está a vida. Um filme memorável.
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O Sétimo Selo (Det Sjunde Inseglet)
Dir.: Ingmar Bergman
Suécia, 1956
100 min.
Em O Sétimo Selo, Bergman concentra seu foco existencialista na questão da fé. Através da jornada de retorno para casa, seu protagonista se vê frente a frente com a morte de duas formas: pela devastação de sua terra natal e pela vinda da própria, em pessoa, no seu encalço. Diante desse retorno para casa, difícil e cheio de obstáculos, impossível não pensar no mito de Ulisses e de Ítaca. Como o herói do clássico ocidental de Homero, o herói de Bergman também obstina rever a esposa e retomar seu lar, mas as semelhanças param por aí.
Na história, Antonius Block (Max Von Sydow) é um cavaleiro que retorna após 10 anos, depois de lutar nas cruzadas (onde foi lutar por Deus e pela fé cristã). Logo ao chegar é abordado pela Morte, que veio lhe dizer que seu tempo acabara e que viera buscá-lo. Ardiloso, convida a Morte para uma partida de xadrez, mesmo sabendo que ela nunca perde. Assim, consegue ganhar algum tempo e adiar sua ida para o outro lado. É enquanto a partida se desenrola - com intervalos indefinidos, pois a Morte andava ocupada naqueles tempos - que Block segue seu caminho rumo ao lar. E é nessa caminhada, entre um lance e outro de xadrez, que ele constata a devastação pela qual passa sua terra, afligida pela Peste Negra.
Surgem então as questões primordiais que darão a profundidade do personagem, pois é em sua fé que ele passa a questionar a existência de Deus. Assim, mais do que voltar para casa, Block procura por respostas às suas indagações. Ele quer saber “onde” está Deus, e até mesmo onde está o diabo, pois “o diabo deve conhecer Deus como ninguém". Em busca dessas respostas o herói bergmaniano de O Sétimo Selo enfrenta-se com todas as coisas e a tudo questiona, sempre sob a ótica da fé.
O filme é rico em figuras e símbolos, muitas vezes irônicos, outras vezes sutis. Com a Peste Negra se espalhando rapidamente e dizimando a população, surgem figuras bizarras, como os que se auto-flagelam em busca da redenção de seus pecados, além daqueles que, tão usualmente na época, queimam mulheres suspeitas de bruxaria. Mas a certeza coletiva é de que se aproxima o dia do Juízo Final, que o sétimo selo em breve será aberto e os anjos receberão suas trombetas. É esse clima de fim do mundo umas das coisas que mais impressionam no filme, pois é onde o mitológico se torna quase palpável e transcende da tela para o espectador.
Também as figuras de Antonuis Block e seu escudeiro, Jöns (Gunnar Björnstrand), trazem uma dualidade irônica e profunda, quase simbiótica em alguns momentos. Enquanto Block vive no espírito a intangível e incurável angustia de sua fé - que se afirma mais nítida no seu questionamento de Deus: "A fé é uma aflição dolorosa. É como amar alguém que está sempre no escuro e nunca vem quando chamamos." -, Jöns é um cético e incrédulo que crê apenas no vazio e por isso mesmo não sofre e com nada se aflige.
E é assim que seguem, junto a outros personagens de diversas matizes, todos tementes ao juízo final e à Morte, cada um com seu semblante revelando a maneira como encaram ou não a compreensão (ou não) dos desígnios de Deus.
Contudo, é no final que a inexorabilidade do destino e do tempo se revela inquebrantável e imutável. Em uma seqüência antológica, todos se vêem diante de seu destino comum e o encaram, cada um com suas próprias palavras e gestos. É quando presumimos que todas as repostas que Block buscava estavam justamente na figura da qual tentava se desvencilhar o máximo possível. Porém, é a própria Morte quem diz diante do relutante Antonius na sua hora final: "eu não sei nada".
Sem responder com clareza se o que vem depois é mesmo o vazio, como crê Jöns, Bergman nos dá, ao final de seu filme, a deixa de que talvez o mais importante não seja onde está a morte, mas sim onde está a vida. Um filme memorável.
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O Sétimo Selo (Det Sjunde Inseglet)
Dir.: Ingmar Bergman
Suécia, 1956
100 min.
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