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quarta-feira, 1 de julho de 2009

A Infância de Ivan

Hoje quero falar sobre um clássico do cinema russo: A Infância de Ivan, o longa-metragem de estréia do genial diretor Andrei Tarkovsky. Em seu primeiro longa Tarkovsky aborda a Segunda Guerra Mundial através da infância perdida de um menino de 12 anos. Personificado magistralmente pelo jovem Nikolai Burlyayev, Ivan, já órfão de pai, perde também a mãe e a irmã, assassinadas por soldados nazistas durante a segunda guerra. Vaga sem lar e sem família, é “adotado” por combatentes guerrilheiros e acaba por se juntar ao exército russo, atuando na linha de frente como espião das posições alemãs. Tudo isso com apenas 12 anos.

Ivan torna-se, na precocidade da vida arrasada, uma máscara indissolúvel de dureza e ódio, por trás da qual vicejam a tristeza e a solidão de uma criança roubada de si mesma. Tarkovsky constrói a dualidade de Ivan através do contraponto entre seus sonhos - memória e desejo de uma infância feliz ao lado da mãe e da irmã -, e sua realidade - na qual se mostra um jovem destituído de qualquer ilusão, irremovível na sua obstinada busca por uma vingança.

O olhar duro, a ausência de sorriso, a fala imperativa e a postura inflexível fazem de Ivan o resultado da guerra, o destroçamento de qualquer esperança, mesmo na possibilidade – ainda incerta, durante o filme – de uma vitória sobre os nazistas. Ao tentar ser convencido a ir para uma escola militar, deixando de atuar na linha de frente, Ivan reage com uma impressionante veemência, expressando claramente o quanto não lhe resta mais de ilusões: “só os covardes descansam em tempo de guerra”.

Ao contrário de qualquer estereótipo da criança órfã de guerra (sofrida, vivendo uma triste e miserável jornada pela sobrevivência ou desolada pelo sofrimento impingido pela vida), Ivan incorpora a transformação oposta, o viés pela fortificação, pela blindagem. Abandona sem hesitar qualquer medo. E vê à sua frente somente a guerra, e tem como sua única opção a luta.

Ivan não é um bravo e destemido herói. É apenas uma criança de 12 anos a quem tiraram a vida e deram a guerra. E ele faz disso sua demanda, pois não tem qualquer outra alternativa, nem qualquer outra ilusão.

Indo além da construção de Ivan como espólio da tragédia da guerra, Tarkovsky constrói também uma obra de arte impressionante, mostrando-se um genial artista no uso da câmera como instrumento de narrativa e de expressão simbólica. O que se vê, desde os primeiros planos é um grande domínio da profundidade de campo e do plano-seqüência, além da utilização de um agudo expressionismo. Como na cena em que Ivan acorda do primeiro sonho, logo no início do filme, e se depara com a realidade novamente. O ângulo inclinado da câmera durante a fuga de Ivan para a outra margem do rio denota claramente a estranheza do novo mundo, o desconcerto da realidade em tempos de guerra. Outro exemplo expressivo é quando Ivan chega a uma base russa exigindo, autoritariamente, que avisem determinado oficial de sua presença na base. Quando finalmente é identificado, passa a escrever códigos militares, enquanto um jovem oficial prepara seu banho. Nesta cena, o uso da profundidade de campo nos apresenta um Ivan agigantado em primeiro plano, com o jovem oficial ao fundo apequenado diante da imponência de um garoto de apenas 12 anos.

É notável também, durante todo o filme, que quase nunca o diretor se utiliza da fórmula campo/contra-campo para os diálogos. Ao invés disso a narrativa se lança em elaborados movimentos de câmera e dos atores. Um jogo de cena exuberante, através do qual, entre pausas e reentradas, constrói-se com perfeição o clima de uma cena através do jogo dos personagens. É com esse recurso que Tarkovsky monta uma das mais belas seqüências da história do cinema, quando o oficial russo corteja a jovem Macha. Toda a seqüência se passa num bosque e é composta de vários planos-sequências com magistrais movimentos de câmera, que culminam com um beijo plasticamente antológico.

Assim, o que impressiona em A Infância de Ivan não é apenas a expressividade do jovem ator na composição de um personagem marcante, mas também a expressividade de todo o filme, onde a cada plano o diretor constrói uma pequena obra de arte e uma aula de estética cinematográfica. E isso tudo em seu longa de estréia, dando desde já a dimensão do gênio que viria a ser o Andrei Tarkovsky.
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A Infância de Ivan (Ivanovo Detstvo)
Dir.: Andrei Tarkovsky
União Soviética / 1962
95 min.

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