Páginas

terça-feira, 26 de maio de 2009

A Batalha de Argel

O filme A Batalha de Argel (La Battaglia di Algeri), do italiano Gillo Pontecorvo, vencedor do Festival de Veneza de 1966, só veio a ser exibido aqui no Brasil nos anos 80. Esse atraso se deve à imposição da ditadura militar que governava o país em proibir sua exibição em território nacional. Isto não ocorreu apenas aqui. A Batalha de Argel ficou censurado em vários países por muitos anos.

Pontecorvo é um dos grandes (e polêmicos) nomes do cinema político italiano. Filmes como A Batalha de Argel, Queimada e Kapô, suscitaram longos debates em publicações como a Cahiers Du Cinéma e a Positif, na França. Por isso, não é de se estranhar a proibição de filmes seus em países que eram (alguns talvez ainda sejam) governados por homens ou classes totalitárias.

O filme mostra o processo pela independência da Argélia, colônia francesa até 1962. Um processo que se inicia com a articulação de um grupo revolucionário contra o regime francês, a FLN (Frente de Libertação Nacional), que se insurge em meio ao povo árabe do bairro argelino, a Casbah. O filme tem como fio condutor a transformação de Ali La Pointe (Brahim Haggiag), que de um simples delinquente de rua, passa a integrar a revolução, adquire consciência política e se entrega por inteiro à causa. Uma clara representação metafórica de qualquer processo de conscientização política de um povo.

Mas o que A Batalha de Argel nos revela é muito mais do que o processo – e a guerra – pela independência da Argélia. Entre o ficcional e o documentário, o filme revela os métodos de guerrilha tanto da FLN, como do exército francês. Enquanto a primeira se utilizava do terrorismo, com atentados ao bairro europeu, matando inocentes, o segundo utilizava a tortura de presos como recurso legitimado pelo que se entendia como a vontade do povo francês. Ao menos é o que dá como resposta um personagem do filme, alto comandante do exército francês, ao ser questionado sobre o uso da tortura.

“O problema é o seguinte: A FLN nos quer fora da Argélia e nós queremos ficar. (...) Quando FLN começou a rebelião não havia divergência. Todos os jornais, mesmo os comunistas, queriam sufocar a rebelião. (...) Somos soldados. Nosso dever é vencer. Assim, para ser direto, eu lhes pergunto agora: A França deve permanecer na Argélia? Se a resposta for afirmativa, devem aceitar todas as conseqüências”.

As imagens que se seguem a esta declaração denunciam os diversos tipos de tortura praticados contra prisioneiros argelinos, como afogamento simulado, choque elétrico, espancamento e queimaduras por maçarico.

Através dos meios de cada lado, o filme também ilustra, com acuidade documental, como se organiza uma facção terrorista e quais os mecanismos que, historicamente, levam uma organização rebelde de atos isolados de terror até a adesão e simpatia popular e conseqüente mobilização – como ocorreu na Argélia, mesmo depois da dizimação de FLN. Por outro, também mostra como a ação desrespeitosa aos direitos humanos por parte do poder militar instituído, pode ser eficaz na desarticulação do terror. Não por acaso o filme foi exibido recentemente no Pentágono, como parte de um manual para combater o terrorismo, o que certamente vai em sentido contrário ao espírito e propósito do filme.

Pontecorvo não se mostra maniqueísta na condução de seu filme. Embora as imagens sejam subjetivamente favoráveis à causa argelina, a construção do filme não poupa nenhum dos lados por suas atrocidades. Isso dá ao filme o grande mérito de confrontar o expectador com a realidade e fazê-lo questionar seu próprio discernimento sobre os fatos mostrados.

Dois momentos no filme ilustram bem esse conflito, pois exibem a desumanidade e a insanidade que tomam as pessoas quando se julgam arautos de uma causa legítima, ou quando simplesmente se vêem dominadas pelo medo e pelo ódio social. Numa delas, dois membros da FLN roubam uma ambulância e saem pelas ruas do bairro europeu atirando indistintamente nas pessoas, até que acaba a munição e eles passam atropelar as pessoas na calçada. Noutra sequência, após um atentado a bomba no Jóquei Clube, frequentado pela classe alta européia, um grupo de homens e mulheres passam a espancar gratuitamente uma criança argelina que vendia doces e estava tão assustada quanto eles.

Por todas estas nuances, A Batalha de Argel é um filme legítimo no retrato de um acontecimento histórico por trás do qual o humano e o desumano se confrontam e se aliam pelos caminhos próprios - e nem sempre dignos - dos ideais políticos. Não mascara a intrínseca sujeira que se esconde por trás da legitimidade, seja ela moral, ideária ou constitucional. Tampouco emite juízo, no máximo simpatia, mas condena igualmente o absurdo. É crítico, ácido e fiel á realidade. Um cinema a serviço da constatação, da reflexão e do registro histórico. No qual dois lados podem ter ao mesmo tempo absoluta razão e razão nenhuma.
--
A Batalha de Argel (La Battaglia di Algeri)
Dir. Gillo Pontecorvo
Itália/Argélia – 1965
117 min.

2 comentários:

Carlos Alberto disse...

grande Roger...ótimo texto...por sinal eu conheço o diretor, já assistir queimada...com o grande Marlon Brando no papel principal...espero assistir a Batalha de Argel, até hoje não tive o prazer de assistí-lo...abração...

Nathalya Buracoff disse...

Não vi a Batalha de Argel.. =(. Mas agora eu fiquei bem interessada!

Agora eu vou ter que assumir o Ano da França no Brasil pra comentar seus posts!
"- Roger, Vamos no cinema ver tal filme?
- É francês?
- Não!
- Ah, então não vou!
- Huuum.. e que tal "LE WOLVERINE"?"