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segunda-feira, 14 de abril de 2008

Falha de comunicação

Não pude resistir a seu choro. Ofereci-lhe um lenço. Era uma moça magra, de cabelos curtos e olhar grave. Bonita, mas com ar sombrio, trajava regata branca, uma calça jeans e – não vi, mas minha imaginação me permite supor – all star. Uma corrente pratreada no pescoço, formada por elos entrelaçados. Muito séria, parecia distante enquanto eu, mesclando momentos de contemplação e desinteresse, buscava despertar-lhe a atenção.

Enfim o carro do metrô chega à nossa plataforma. Abrem-se as portas e penetramos como bois que atendem mecanicamente ao sinal de um berrante. Ela vai na frente, não a ponto de me permitir uma exame mais clínico de suas formas. Sento-me ao seu lado e começo minha viagem interior. Cabeça vazia é oficina do diabo, mas como o diabo é o pai do rock, minha mente viaja entre sistemas solares e discos de vinil. De repente, lembro-me do pôr do sol no Rio de Janeiro e de minha família. Duas coisas que adoro, mesmo tendo-as tão longe. Universos paralelos, futuros imprevisíveis, paixões solitárias, ouço o som do vento que grita de tarde as notas da monotonia interiorana. Um desafio pela frente: a conquista da pessoa amada.

Saio desses devaneios por causa de um choro mal contido que ouço ao meu lado. “Não, ela deve estar resfriada”. Quem carrega consigo o fardo das lágrimas sabe distinguir um choro de uma gripe. Chorava a pobre moça ao meu lado. De início, tomado por meu recato, pelo medo de oferecer ajuda e parecer indiscreto, silencio. Ao mesmo tempo, sinto-me obrigado a ajudá-la de alguma forma. Pensava que o mundo seria melhor se o fato de duas pessoas não se conhecerem não fosse impedimento para que uma ajudasse a outra. Queria acalentá-la, contar uma piada. Queria ver seus dentes se abrirem num sorriso. Sentia que ela queria ajuda. Mesmo que não admitisse, mesmo que a falta de confiança do ser humano no próprio ser humano não permitisse que ela se abrisse para um desconhecido como eu, ela queria um ombro para chorar. Ou melhor, queria não chorar.

Procuro em meu bolso roto da viagem um lenço que pensei ter esquecido dias atrás. Encontro-o amarrotado. Limpo, mas amarrotado. Delicado e indeciso, ofereço o lenço para a moça. Óbvio que ela não aceita. Sabe-se lá aonde eu teria colocado o lenço ou a mão. Recusa minha ajuda como quem recusa carona no meio da noite. Por medo, por nojo, ou simplesmente por educação. Pensei comigo: o que mais falta à chorona do meu lado é a única coisa que queria dar-lhe, bem como a proposta de nosso blogue. Comtato.

2 comentários:

Nathalya Buracoff disse...

Ai, que lindo.
De escorrer lagriminha....snif.

Rogério de Moraes disse...

Encaixe perfeito este texto e seu final. Uma observação saborosa do cotidiano, da casualidade e das relações humanas dos disas de hoje: tão desconfiadas, tão urbanizadas e com uma frieza que poucos se esmeram em aquecer, mesmo em vão. Gostei muito e adorei a frase: "Cabeça vazia é oficina do diabo, mas como o diabo é o pai do rock, minha mente viaja entre sistemas solares e discos de vinil."